'Inglês' ou matemática? Como o cérebro entende códigos computacionais?

Por Reinaldo Alexander Franco Zaruvni

17/03/2021 - 06:303 min de leitura

'Inglês' ou matemática? Como o cérebro entende códigos computacionais?

Fonte :  Unsplash 

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Em 2016, a Gallup Poll, empresa de pesquisa de opinião dos Estados Unidos, se propôs a entender quais eram as expectativas das escolas do país norte-americano quanto ao ensino de ciência da computação a seus alunos. A partir de uma enquete, revelou que 66% dos diretores de instituições de anos fundamentais desejavam incorporar aos currículos matérias relacionadas à área

Mesmo com um interesse tão expressivo, esclarecimentos quanto à abordagem mais eficaz de estruturação de aulas são necessários. Por exemplo, onde é que os códigos se encaixam, em linguística ou matemática?

Para desvendarem o mistério, neurocientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) decidiram analisar como o cérebro humano se comporta enquanto voluntários liam códigos, partindo da premissa de que, atualmente, há duas correntes de pensamento. 

A que prevalece é a que afirma que codificação se trata de um tipo de linguagem, com regras gramaticais e sintáticas próprias que devem ser seguidas. Por exemplo, no Texas, em Oklahoma e na Geórgia (todos nos EUA), estudantes podem se valer de ciência de computação para completarem cargas horárias exigidas de línguas estrangeiras

Por sua vez, a segunda defende a presença da matéria no campo dos números, pois fórmulas e algoritmos encabeçariam a geração de resultados a partir da inserção de informações.

Pela recente presença de tais conteúdos na humanidade, não houve tempo suficiente para que o cérebro tenha desenvolvido uma região especialmente dedicada a lidar com eles. Sendo assim, certamente "empresta" habilidades já utilizadas na execução de outras tarefas. A questão é: de quais delas o órgão se aproveita? Os responsáveis pela pesquisa respondem.

"A capacidade de interpretar um código de computador é uma habilidade cognitiva notável que tem paralelos com diversos domínios cognitivos, incluindo funções executivas gerais, matemática, lógica e linguagem." 

Ou seja, nesta configuração inédita, o cérebro seleciona capacidades consolidadas e as mistura para encontrar soluções – algo relativamente novo e que tende a se tornar cada vez mais comum.

Onde é que códigos computacionais se encaixam em currículos escolares?Onde é que códigos computacionais se encaixam em currículos escolares?

"O que você quer fazer esta noite?"

Submetidos à técnica de ressonância magnética funcional, pessoas proficientes em codificação, durante o experimento, se depararam com problemas e deviam fornecer soluções. Enquanto isso, os cientistas acompanharam de perto as atividades cerebrais das "cobaias". Conhecidas por sua legibilidade, as linguagens Python e ScratchJr foram selecionadas para os testes.

Em uma das propostas, escrita em Python ou em frase "normal", a partir de informações a respeito de altura e peso, a exigência era a de cálculo de índice de massa corpórea (IMC). Na outra, em ScratchJr, rastreio da posição de um gato enquanto ele caminhava e pulava. 

Antes, a memorização de uma sequência de quadrados em uma grade e a leitura de uma frase normal e uma sem sentido "aqueceram os motores", tudo para ativar o sistema de demanda múltipla dos participantes (geralmente ativado por tarefas cognitivas complexas, como a resolução de cálculos matemáticos) e o de linguagem, respectivamente.

Então, a surpresa: a compreensão dos códigos foi possibilitada principalmente pela rede de demanda múltipla, o que não ocorreu durante a procura pela resposta dos problemas. O cérebro não aborda códigos como linguagem ou lógica. Parece ser uma coisa própria.

Cérebro reage de maneira inesperada ao enfrentar problemas computacionais.Cérebro reage de maneira inesperada ao enfrentar problemas computacionais.

"A mesma coisa que fazemos todas as noites, Pink..."

Uma das suposições para a "preguiça" do sistema de linguagem do cérebro, apontam os neurocientistas, é a ausência da ativação de fala ou audição nos processos, o que dispensa suas ações mesmo com todas as similaridades de códigos com linguagens naturais. 

Além disso, a rede de demanda múltipla, aproximadamente dividida entre esquerda (lógica) e direita (pensamento abstrato) do órgão, se comportou de maneiras diferentes dependendo do caso: a leitura do código Python parece ativar ambos os lados, enquanto ScratchJr "ligou" o lado direito um pouco mais do que o esquerdo.

Por fim, um experimento realizado por pesquisadores japoneses no ano passado mostrou que a atividade nas regiões do cérebro associadas a processamento da linguagem natural, recuperação da memória episódica e controle da atenção também se fortaleceu com o nível de habilidade do programador – sugerindo que, apesar de, aparentemente, linguagens de código se distinguirem das naturais, começar a aprendê-las cedo potencializa o desenvolvimento de capacidades.

Considerando que há expectativas de que a nova geração mundial de profissionais de ciência da computação pule de 23,9 milhões em 2019 para 28,7 milhões em 2024, segundo a Statista, empresa alemã especializada em dados de mercado e consumidores, é bom que aqueles que queiram acompanhar o movimento comecem a se mexer desde já. 

Conquistar o mundo, como mostram alguns desenhos, não é simples – mas que o cérebro tenta dar um jeito, bem, isso sim.

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